4º Domingo da Quaresma

A casa

A vida é feita de mudanças, pequenas ou grandes. É feita do correr do tempo, da passagem das coisas. Quem não muda está morto, petrificado, não é nada. A mudança assume então vários aspectos, para melhor ou pior, dependendo do ponto de vista.

As leituras deste domingo falam-nos da mudança que sofreu o Povo de Deus quando finalmente chegou à Terra Prometida: deixaram de ser alimentados com o maná, que deixou de cair quando os frutos naturais da região começaram a ser cultivados e colhidos.

Os hebreus deixaram assim apenas de apanhar o que lhes caía do céu, dado por Deus. Eles mesmos começaram a luar pela vida, a cultivar com o seu esforço os alimentos para todos. Assim simbolizada a sua responsabilidade perante a terra dada por Deus, que eles tinham de cultivar. Aparentemente seria mais fácil que Deus continuasse a enviar-lhes o maná, mas Deus não criou o homem para ser um mero robot, sem iniciativa, algo que obedece maquinalmente, sem saber o que faz.

Cultivando a terra que Deus lhes deu os hebreus revelaram que um dos papéis mais importantes do homem é desenvolver o mundo que Deus lhe Deu. Mundo que é, ao mesmo tempo, dom e tarefa. Por isso é exigido ao Homem que não abandone esse mundo, que não fuja dele.

Para ajudar á festa vem S. Paulo dizer-nos que “Se alguém está em Cristo, é uma nova criatura.” porque é alguém que se descobriu a si mesmo, que descobriu o amor de Deus. O amor que nos maravilha e que nos torna capazes de aceitar viver numa casa que não foi construída por nós e que nos foi dada gratuitamente sem merecimento da nossa parte. E o que é que nos fazemos desta casa. Temos consciência da novidade que é vivermos lutando para alcançar aquilo que Deus nos quer dar.

Ou somos como o filho mais velho de que nos fala o Evangelho, que fica com inveja daquilo que o pai faz ao filho que regressa a casa depois de ter destruído a riqueza que o Pai lhe tinha dado. Olhamos mais para a justiça do que para a misericórdia, andamos sempre de pé atrás em relação aos nossos irmãos em vez de abrirmos os braços para os recebermos e acolhermos na família.

O filho mais velho seria ainda mais pobre que o irmão pródigo, porque vivia na mesquinhez da sua vida, não reparando para a felicidade que tinha ao partilhar da riqueza do pai, por viver em casa do Pai, uma casa que não reconhecia como sua porque não partilhava do amor do pai por toda a família. O filho mais velho nunca usa a palavra “Pai”, demonstra não ser um filho, mas um servidor, o pai é apenas um patrão. Assim é fácil rejeitar o irmão. Esse é o pecado de muitos de nós, cristãos: a espectativa da condenação dos pecadores nasce da convicção de que eles são uns espertalhões que vivem bem: por isso são invejados, criam ciúmes e a esperança de um castigo iminente, não percebendo que a vida dos pecadores é uma tragédia, plena de desespero e sem alegria.

Que a boa notícia trazida por Cristo não nos leve a fechar os olhos e esta luz clara e distinta que nos mostra que a casa é nossa, e somos nós que temos de cuidar dela. A vida não é uma tarefa acabada, mas é uma construção permanente e diária que lentamente se vai mostrando. Uma construção que não é formada por calhaus, mas que é formada por árvores vivas.

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